LENDAS - Narrativas de Walcyr Monteiro
Amapá

LENDAS - Narrativas de Walcyr Monteiro



Foto: keziahraiol.blogspot.com
Walcyr Monteiro (escritor, jornalista e pesquisador paraense) ao longo de mais de três décadas vem registrando e formando um rico acervo das muitas narrativas que permeiam o imaginário amazônico. Histórias como as que ouvimos de nossos avós,  que encantam pela simplicidade de descrição e têm suas origens na falta ou busca de explicação do cotidiano. Causos, lendas urbanas, narrativas indígenas, histórias fantásticas, encontros com "visagens", experiências descritas com as mais ferrenhas convicções (ou cara-de-pau para muitos), enfim, um universo mitológico que tem sido objeto de estudo da antropologia e  sociologia,  e que certamente constitui-se em uma das mais interessantes faces da cultura popular.
A obra é vasta, com livros que já foram utilizados em montagens teatrais e roteiros cinematográficos.

?Visagem? (2006), de Roger Elarrat, baseado na obra de Walcyr Monteiro.
O filme é uma adaptação de sete contos do livro ?Visagens e Assombrações de Belém?, escrito a partir de causos e lendas sobrenaturais da cidade.
É o primeiro curta de animação em stop-motion de Belém do Pará. (Texto do nabissapictures.blogspot.com)


A seguir duas lendas descritas por Walcyr Monteiro: 
"Lenda da Vitória-régia", narrativa indígena amplamente difundida e descrita por diversos autores. A versão deste texto foi publicada na revista Amazon View - Edição 43 / 2002.
"Fantasma erótico da Soledade" é uma lenda urbana de Belém do Pará, descrita no livro Visagens e Assombrações de Belém (Walcyr Monteiro - Smith Editora) - clássico da literatura fantástica amazônica, onde o autor trata de uma série de casos pesquisados , desde os anos 70,  e mostra um pouco do histórico da cidade, orações populares, alguns recortes de jornais e fotos. De fato, um livro documental sobre lendas urbanas conhecidas em Belém.
Relato-as por também serem parecidas ao que muitos acreditam, gostam de acreditar ou conhecer, nestas bandas de cá - no Amapá.

A Lenda da Vitória-régia
A exuberante paisagem que cerca a Amazônia sempre exerceu uma imensa influência na formação do imaginário caboclo. Tradições herdadas dos povos primitivos que eram a forma lógica de compreensão e explicação do princípio das coisas.
As plantas, os animais e até mesmo os seres inanimados possuíam a flama etérea da vida, cultivada pelas crenças de nossos aborígines. Tudo tinha uma razão de ser, nada estava ao léu. Os astros celestes, em especial, também eram endeusados pelos índios. Todos na tribo, por exemplo, conheciam Jaci, a Lua. Ela era a mais bela no céu e objeto de maior desejo na Terra. Os índios acreditavam que a Lua, além de cuidar das plantações e de todos os vegetais, também podia dar o amor e a felicidade eterna. 
Foto: Jonhny Sena
Certo dia, uma bela índia chamada Naiá, encantada com todas essas histórias, sonhava que a Lua escolhia as moças mais bonitas das tribos para transforma-Ias em estrelas que brilhariam para sempre no céu ou que seriam como o astro lunar.
A índia Naiá, tal qual as demais cunhãs, também desejava ser escolhida pela Lua e se tomar uma estrela no céu. Todas as noites, Naiá saía de sua maloca a fim de ser vista pela Lua, mas - para sua tristeza - ela não a chamava para junto de si.
A cunhã já não dormia mais, passava as noites andando nas cercanias da taba, tentando despertar a atenção do satélite terrestre. E nada...
Uma noite, porém, cansada de esperar, resolveu chegar até a Lua, o que fez durante dias e noites, com a maior obsessão. Passou então a correr atrás de Jaci, subindo os montes mais altos, percorrendo as planícies mais extensas, buscando as árvores mais esbeltas no afã de tocá-la. Tudo em vão.
    Foto: Jonhny Sena
Desolada, aproximou-se de um lago para chorar. Chegando lá, a índia viu a figura da Lua refletida em suas águas límpidas, acreditando que Jaci tinha ficado com pena dela e descido do céu para buscá-la. Venda a Lua tão perto, a índia não resistiu, jogou-se na água para tocá-la. Mas o reflexo se desfez e a pobre moça morreu afogada.
Jaci, comovida diante do sacrifício da bela jovem, resolveu transformá-la em uma estrela diferente daquelas que brilham no céu, uma majestosa planta chamada Vitória- régia, que passou a ser uma "lua nas águas" ou a "estrela das águas", como preferem alguns ribeirinhos.
Curiosamente, as flores dessa planta só se abrem durante a noite. Tem uma flor de perfume ativo e suas pétalas, ao desabrocharem, são brancas, tornando-se rosadas quando os primeiros raios do Sol aparecem. 
Foto: Rogério Castelo / 2008
Na descrição do escritor Walcyr Monteiro, a Vitória- régia (Euryle amazonica) é das mais bonitas plantas aquáticas do mundo. Possui folha com formato de bandeja que chega ate a I,80m de diâmetro, de coloração verde na parte virada para cima e interna, e purpúrea na sua borda externa e parte inferior. A Vitória- régia vive em lagos, lagoas e rios de águas tranquilas. Sua folha é bastante resistente e pode aguentar um peso de até 45 quilos.
Segundo o escritor paraense, a planta aquática, com toda a sua beleza e exuberância, chama a atenção de quantos a vêem, que ficam verdadeiramente extasiados, tal como aconteceu com o botânico inglês Lindlev que, ao contemplá-la, resolveu homenagear a rainha Vitória, da Inglaterra, e deu à planta o nome da soberana inglesa. Mas, conforme relata Anísio Melo, nossos índios também não ficaram indiferentes a sua beleza e contam esta linda história para justificar-lhe a origem.
Texto publicado na Revista Amazon View - Edição 43 / 2002 (pag. 36-37)
 
FANTASMA ERÓTICO DA SOLEDADE

Ilustração: Márcio Pinho
     Parou o carro na Avenida Serzedelo Corrêa, em frente à Escola Kennedy. Saltou para entregar uma encomenda. Ao retornar, consultou o relógio: 17:30 horas. Pensou - resta meia hora para encerrar o expediente. Se não desenvolver muita velocidade, vai ver que chegarei exatamente em cima da hora de bater o ponto. Quando ia entrar no carro - um velho jeep da repartição - notou um "psssssssssiu". Olhou ao redor e nada. Novamente:
     - Psssssssssiu!
     Voltou a olhar. Reparou que o chamado vinha do outro lado da rua, mais precisamente da porta do Cemitério da Soledade. Ali, bem em frente à porta, estava uma mulher aparentando seus 30 e poucos anos. Quando seus olhos se encontraram, olhou para um lado e para o outro e para trás de si mesmo, pensando que o chamado se dirigia a outra pessoa. Olhou de novo para a mulher, e esta, apontando com o dedo, deu a entender que era o próprio que estava chamando. De relance, viu o relógio, pensando: - Mas logo agora!
     Rapidamente atravessou a rua.
     - A senhora esta me chamando?
     - Estou sim. Preciso de seu auxílio.
     - E em que poderei ajudá-la?
    - É o seguinte: eu não sou de Belém. Vim aqui passar poucos dias e queria conhecer o túmulo de meus avós que estão sepultados neste cemitério. Mas confesso que fiquei receosa de entrar sozinha. Já é um pouco tarde, e o cemitério está deserto. O senhor poderia fazer o grande favor de me acompanhar até lá dentro?
     Contrariado, pensando que o expediente chegava ao fim - Flávio estava apressado a fim de chegar em casa - e ele ainda teria que se demorar, custou um pouco a responder. Refletiu e, visto que a mulher não era de Belém e não ficaria bem não ser hospitaleiro, acabou aceitando acompanhá-la.
     - E a senhora sabe onde é a sepultura?
     - Não, não sei. O nome dele era fulano de tal. Mas, se não for muito incomodo para o senhor, procuraremos. Afinal, o cemitério não é tão grande!
     Ato contínuo, seguiram para a ala esquerda, vendo e examinando as sepulturas, procurando o nome que a mulher havia dado como sendo o do seu avô. E, na busca, percorreram todo o cemitério. Em alguns túmulos demoravam-se um pouco, como o do General Gurjão, o da Preta Domingas, o do Menino Cícero, o de Raimundinha Picanço. A mulher perguntava quem eram, e Flávio explicava que o primeiro havia sido herói na Guerra do Paraguai, e os outros três eram considerados milagrosos pelo povo, a quem faziam culto as segundas-feiras, solicitando graças. A mulher parecia não mais querer sair dali, e Flávio, já arrependido de ter se mostrado hospitaleiro e cavalheiresco, só pensava em ir embora.
     - Mas que raios! pensava - acertou logo comigo. Tanta gente nesta cidade e havia justamente de ser eu a passar ali naquele momento. Tomara que ela ache logo, que me vou.
Mas a pesquisa terminou e não foi encontrado o túmulo dos avós da mulher. Satisfeito, pensando que já ia, Flávio falou:
     - É. Parece que não é aqui, não. Naturalmente Ihe informaram mal. Deve ser lá no Santa lzabel. A senhora naturalmente vai procurar amanhã.
     - Não, não me enganei, não. Apenas talvez não esteja sepultado em túmulo e sim seus ossos estejam numa uma funerária. Onde será que as guardam?
     - Francamente, não sei.
     - Olhe, talvez seja ali, disse a mulher apontando para a ala lateral à Capela do cemitério. Só mais um minuto, está bem?
     - Está, mas não posso demorar muito. Meu expediente na repartição já terminou e devo bater o relógio de ponto.
     - É só um minutinho...
     E dirigiram-se para a sala onde eram guardadas as umas funerárias. Entraram. Hora crepuscular, quase mais nada se via na sala. Mesmo assim, a mulher, sempre chamando Flávio, dirigiu-se para a parte dos fundos. O homem seguiu-a.
     Olhou determinada urna e disse:
     - Parece que é esta. Venha ver.
     Flávio foi, agradecendo a Deus haver terminado aquela via crucis atrás da ossada de um defunto que ele não havia conhecido e nem tampouco ouvido falar. Afinal, com 51 anos no costado, mesmo sendo motorista profissional, era a primeira vez que se via naquela situação.
     Quando estava próximo à urna, tentando ler o nome inscrito na parte superior, ela chegou-se a ele, até quase colar os corpos. E, inesperadamente, abraçou-o e começou a apalpá-lo, ao mesmo tempo em que tentava beijá-Io...
     - Meu querido ...
    Apanhado assim, de surpresa, naquele local ao mesmo tempo sacro e sepulcral, Flávio não soube o que pensar.
    - ... tenho 51 anos ... mas logo comigo ...? ... não sou bonito... por que...?... logo aqui...?... será que é doida...?... por que ? ... logo eu... por que aqui...?... Tanto homem jovem por aí...... por que ...? .. tanto lugar para fazer amor ... logo aqui ...!
     Num relâmpago, pensava todas essas coisas, enquanto era apalpado por todas as partes do corpo, principalmente no sexo. Rapidamente se recobrando, Flávio a empurrou com violência ... - Mas que é isto? Respeite ao menos o lugar...
Leitura recomendada
Saltou para trás, procurando a porta. Ao alcançá-la, de costas, procurou ver a mulher. Para seu espanto, tal como se fosse fumaça, ela desaparecera... Apenas as urnas funerárias continuavam em seus lugares nas prateleiras e ... nada mais ...
     Flávio gritou, ao mesmo tempo em que procurava o portão de saída. Correu olhando para trás ... porém, inútil! Ninguém o seguia; a mulher desaparecera mesmo.
     Nervos tensos, tomou o jeep. Mas não conseguia controlar seus movimentos. Esperou alguns minutos, e, tão logo pôde, arrancou, imprimindo tal velocidade no jeep que chegou rapidamente ao local de trabalho.
     Os funcionários retardatários que ali estavam viram chegar um Flávio irreconhecível, sem a costumada serenidade, sem a voz calma de sempre. Flávio procurava falar tudo de uma vez, querendo contar aos companheiros o ocorrido ...
     No dia seguinte, Flávio não foi trabalhar. Nem no outro. Nem no que o seguiu. Procuraram notícias junto aos familiares. E então souberam ...
     Estava internado há três dias no Hospital da Beneficente Portuguesa. Com alta febre ... Delirando ... Dizendo coisas estranhas ... que um fantasma de mulher o quis amar dentro do Cemitério da Soledade... 
Curiosidade: Sthefanie Espinola fez uma foto-hq bem interessante dessa mesma estória. 
"Crie se quiser ser original.
Inove se quiser ser genial.
Cometa loucuras se quiser ser uma lenda."
(Gustavo Pires Batista)

Fontes consultadas:



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