Histórias da Vó Nikita - O Poço Fundo (Um conto da Cobra Norato)
Amapá

Histórias da Vó Nikita - O Poço Fundo (Um conto da Cobra Norato)


Em um grandioso rio, neste mundaréu que é a Amazônia, existia um recanto famoso por suas lendas e mistérios. Lugar de encantos, marcado por uma história conhecida e comprovada na mais ferrenha convicção por todos que ali transitavam... nas noites de lua cheia.
Trata-se do rio Jacaré Grande. Trata-se do imaginário popular, lá para as bandas de Breves. Trata-se de mais uma das histórias de Vó Nikita. 
Nikita (1986) Monte Dourado - PA
Ah, minha avó! Jamais posso eu esquecer de suas narrativas e do quanto me despertaram para a leitura. Histórias do pensamento  ribeirinho de outrora, meus antepassados, que ainda tem a força mística de produzir encantos. Acreditem! Através destas histórias neste blog, minha avó Ana reencontrou uma neta afastada e sem contatos há 20 anos. Faces que o destino nos mostra... pudessem ser sempre felizes. Bem-vinda Ana Caroline! Bem-vinda ao lar de sua avó Ana Castelo! A coluna mais antiga desta família, mulher perseguidora de sonhos e testemunha dos fatos que conta em suas Histórias da Nikita.

Era uma casa tão alegre! A festa corria solta da manhã até o raiar de um novo dia. Como sempre acontecia, os caboclos vinham de todas as paragens para a festança, capazes de remar horas seguidas em suas montarias para não perder a animação. Tempo de namoros - em uma destas formou-se o casal Nikita e Branco Velho, meus avós maternos - tempo de danças, fofocas, reaver os amigos e sair da rotina diária na vida ribeirinha. Esta era a festividade em um barracão, avançado na curva do rio e preparado para receber umas 100 pessoas. Festa que os ilustres anfitriões faziam sempre, já famosas, no surgimento de cada novo ano, chamando os parentes e amigos. Isso meus amigos era nos anos de 1930 em uma Amazônia encantada de histórias e superstições. Minha avó assim o disse. 
Em um destes dias, quando o pau torava e a caboclada dançava fervorosamente ao som do pistão, um ilustre visitante chega no local. Terno branco, chapéu de palha no melhor estilo, bem alinhado, com uma elegância e trejeitos que logo chamou a atenção das moças, sempre em buscas de bons partidos. Este com certeza era um... pensamento em cada mocinha solteira, admiradas do rapaz, que se revelou o melhor pé-de-valsa naquele local.
Nada de Uiara, nada de boto. O rapaz era conhecido por muitos naqueles cantos, apesar de conservar sempre um quê de mistério. Vez por outra sumia e reaparecia, contava histórias de andanças neste mundo e nada se conhecia de seus familiares. Seu surgimento causava uma ciumeira entre os caboclos, que não eram páreos aos seus galanteios com as moças, a esta altura animadas e desejosas de uma dança. Todas logo vinham engrossar as fileiras de admiradoras em uma saudação de suspiros unânimes: 
- Como vai Norato?
 
Cobra Norato (Ilustração do educacao.uol.com.br)
Solte a imaginação!! Deixo para você a interpretação da imagem!

O jovem, sempre cordial, era todo atenção às moças. Dançou com tantas quanto solicitado, tornando-se o protagonista maior no salão daquele famigerado barracão às margens do Jacaré Grande. Conversa vai e conversa vem, logo anoiteceu, mostrando o resplendor de uma belíssima lua cheia. 
Foi então que Norato mais uma vez deu pinta de seus ares misteriosos. Coisas de rapaz esquisito... no melhor da festa, quando os ponteiros do relógio caminhavam para a meia-noite, cismou de querer ir embora. Ora por que? Se lá fora há só o breu da noite e as horas vem anunciando um novo ano a despontar! O desejo de confraternização e amizade era mais forte do que nunca em cada coração, não só renovados na esperança, como também necessitados de exteriorizar, indistintamente, os melhores sentimentos em efusivos abraços. Principalmente entre as moças, eternamente sonhadoras, onde Norato era o alvo de seus desejos. Assim, não poderia - nem deixariam - de forma alguma sair do local, neste dia de lembranças únicas...  e impossivelmente críveis... como então se verá.


Brilha lua! Mostra tua beleza... cheia de graça, de luz e de encantos. Lua cheia é senhora da noite, farol nas matas distantes e inspiração aos corações... Não no de Norato. Triste e sozinho, vagando na noite encantada como a cobra maior do rio, revelada pelo pálido brilho de toda lua cheia. Vaga solitário, se escondendo de tudo e fugindo de todos, ocultando sua triste sina de encantado. Serpenteia nos rios e matas desabitadas o horror de um monstro lendário, descortinado e pujante em todo período da lua cheia, desde a meia-noite do primeiro dia.

Foto: Octavio Campos Salles
Fonte: cativagoogle.blogspot.com.br
Dizem que vive por aí, está no rio, está na mata. O caboclo ribeirinho o teme e qualquer banzeiro mais forte traz a lembrança de sua temida proximidade. 
Testemunhas oculares da cobra gigante quase não há, só as histórias  e a certeza de sua presença. Histórias como a do Poço Fundo, local desabitado há mais de 80 anos e com uma superstição viva no coração dos que transitam por ali. Nas noites de lua cheia, quem se aventura em passar perto, jura que ouve, com a atenção sedenta para as lendas, uma música de pistão soando na noite, seguida de murmúrios, canto do galo, latido, miado e um vozerio sem causa aparente... Parece uma festa!
 
  
Não podendo conter sua ânsia e impossibilidade de retirar-se, Norato vê a meia-noite aproximar-se como o pesadelo de seu destino. Falta pouco, seu corpo é tomado de uma febre repentina e suor crescente. Já não encara ninguém, sua face parece doentia, pálida e descamativa. Há um jeito de ocultar-se? Com as forças humanas que lhe restam pede a um dos anfitriões um local onde possa descansar um pouco, informa suspeitar de malária e é encaminhado para um dos quartos. Pede momento a sós, não quer ser procurado e nem assistido, alguns minutos de repouso são o bastante para recuperar suas forças.  Agradece e tranca a porta.  Em sua mente a oportunidade criada para sair do local pela janela, enquanto os festejos do ano novo distraem a atenção de todos. É hora de partir e deixar para trás as lembranças felizes. Serão seu alento e resto de humanidade quando na capa de cobra, por toda aquela sua angustiosa semana de lua cheia. 

Suposta foto de 1932, famosa entre os criptozoologistas. Mostra um Sucuriju Gigante, que foi morto na fronteira com a Venezuela pelos guardas de fronteira brasileiros. Serão verdadeiras as dimensões? Indiscutível, porém, os relatos de encontros com animais muito maiores que os atuais. Só um lembrete de onde nascem as lendas. Nem tudo é exercício da imaginação. 
Fonte da foto: northamericanmonsters.blogspot.com
Um novo ano é saudado com o entusiasmo de velhos comprades ribeirinhos. Por alguns minutos a atenção é toda centrada na confraternização no salão. Norato não está ali, fato inesquecível no coração de uma das jovens no local, cativa da paixão pelo rapaz. Foi ver as condições do mesmo, cuja informação circulante era que estava em repouso devido um mal-estar súbito. Bateu na porta - trancada - chamou e nada de respostas. A moça, com a preocupação dispensada a quem se gosta, olhou por uma fresta nas tábuas da parede. Horror!!! Seu coração acelerou ante a visão de um sucuriju gigante, com escamas negras e brilhantes na luz do lampião. Rolos grossos como nunca vira, espalhando-se por todo o quarto e querendo projetar-se pela janela. Desespero!!! Lembrou do jovem e foi tomada pela certeza de ter sido morto por aquele monstro. Isso tudo em segundos, culminando com o mais terrível grito que todos por ali ouviram. Espalhou-se o caos frente a informação de tal cobra no local. A casa rangeu com a algazarra e a cobra, sentindo as vibrações do desespero, rompeu a parede da casa mergulhando no rio com a força e peso de uma lenda. Atrás de si arrastou tudo ao fundo, nada restou, tudo foi tragado por um redemoinho gigante. Nem tábua, nem alicerce, nem gente, nem bicho... tudo sumiu como encanto no brilho daquela lua cheia. 
 

Restou esta narração, contada e conhecida por minha avó Ana (a Nikita), de um local encantado que sumiu com tudo que tinha, como um poço fundo, ecoando a música e murmúrios de uma festa sem fim na curva de um rio, o Jacaré Grande.  Lugar  de encantos e exercício da imaginação frente ao desconhecido, predisposto a acreditar em fatos como esse, onde reinam as lendas e, da boca dos mais vividos, aprende-se A LENDA DA COBRA NORATO.

Texto de Rogério Castelo baseado nas narrativas de sua avó Ana Castelo.
Olha aí, nada de gaiatice de que tô segurando a cobra!!! 
Pra mim essa é uma cobra-fêmea, é a Maria Caninana!!!
Nunca ouviram falar? De onde vocês acham que vinha o medo de Norato, 
apresentado como um sujeito de bom coração.
Ah!! Mas isso é uma outra estória!!!



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