Um Boto Pós-Moderno (Leacide Moura)
Amapá

Um Boto Pós-Moderno (Leacide Moura)



Conhecendo um pouco mais da Literatura Amapaense. Este conto faz parte do livro "Encantos, Encontros, Poemas e Contos", de Leacide Moura & Iramel Lima, e tem como proposta a valorização de elementos folclóricos e geografia local. A obra é de 2008 e assim foi definida pelo escritor Paulo Tarso: "apresenta caráter dramático, humorístico e psicológico priorizando os espaços regionais e viagens no contexto brasileiro" (veja mais em escritoresap.blogspot.com).

 
Rio Amazonas (Fotos:cienciahojeCal Tedde) O maior rio do mundo em extensão, volume d'água e com a maior bacia hidrográfica do planeta.

Em uma aventura pela Amazônia o boto do Rio de Janeiro, acostumado a salinidade das águas do mar, prova do sabor da água doce do Rio Amazonas. A novidade era tão grande que ele se encantou com tudo o que encontrou.
O texto estava em exposição junto com a imagem de um boto, durante a Feira de Livros
Adorou o caudaloso Rio Amazonas... e numa manhã nublada sujeita à chuvas ele percorreu o Rio Amazonas rumo ao braço do Curiaú e enfrentou o maior toró sem se importar com o frio, para logo em seguida enfrentar um calorão com a imediata aparição do sol, mas ele nem se incomodou e tomou o maior respeito pelo clima da Amazônia.
Apreciava tudo, encantado, silencioso, como que querendo preservar e guardar pra si toda beleza paradisíaca do lugar.

 
APA do Curiaú (Fotos: Acervo da SEMA-AP)
Unidade de conservação a poucos kilômetros do centro de Macapá.

Ao chegar à margem do Rio Curiaú resolveu se transformar em homem para conhecer as pessoas daquela vila, especialmente as moças bonitas, e como dizia Caetano: "menino do Rio de eterno flerte", o boto não fugia a regra. Transformou-se em um moço alto, de cabelos longos amarrado a um "rabo de cavalo", tinha o rosto comprido, olhar penetrante e inteligente. Tinha um ar misterioso e ao mesmo tempo de uma ternura tão grande grande que jamais o deixava passar desapercebido pelas pessoas que se encantavam por ele no primeiro momento em que o viam.
Tela de Dekko do Acervo Fernando Canto
Tela de Pantaleão em exposição no CCFA
Obra de Regi em exposição no Monumento Marco Zero do Equador
Marabaixo, dança afrodescendente (capa do livro de Piedade Videira)
É a principal manifestação cultural do Estado do Amapá.

No Curiaú ao apreciar o extenso pantanal ele avistou uma abelhinha negra e disse a ela:
- Se você fosse uma moça eu te daria um beijo!
A abelhinha, toda agitada, pois tinha pressa, ia organizar o batuque para a dança do Marabaixo, olhou para o moço e disse:
- Desculpe, mas estou com pressa, preciso levar o mel pra casa e passar na casa do samba para a dança do Marabaixo e meu namorado é muito ciumento...
Então o boto resolveu conhecer outros lugares. Mergulhou novamente nas águas doce do Rio Amazonas e chegou até o Rio Jarí. Transformou-se novamente no moço atraente e adentrou a vila de casas do lugar. Parou em uma pensão para se alimentar após a viagem, precisava armazenar energia, pois pretendia conhecer outros lugares em sua aventura pela Amazônia.
Rio Jari (Foto: br.viarural.com)
Localiza-se no sul do Amapá, fazendo a divisa com o Estado do Pará. 
Nele encontramos uma das maiores belezas naturais da Amazônia...
Na pensão ele viu muitas moças bonitas e todas se encantaram por ele. Foi assim que ele viu outra abelhinha, uma abelhinha marrom que pousara em uma antena parabólica, ela era graciosa e alegre. O boto transformado em moço, não se conteve e disse a abelhinha.
- Abelinha, abelinha, se você fosse uma moça eu te daria um beijo!
- Passe lá na pensão à noite que eu quero te mostrar a minha família! O que a moça queria era casar.
O moço ficou desapontado e resolveu conhecer outros rios. Transformou-se novamente em boto, caiu no Rio Jari, pegou o braço do Rio Cajari, percorreu as corredeiras, chegou ao Rio Iratapuru. Ficou extasiado com a beleza exuberante do lugar, da floresta, do canto dos pássaros, dos gritos dos animais escondidos na mata...
Tomou novamente a forma humana e subiu a margem, queria conhecer os habitantes daquele lindo lugar. Imaginou que seriam seres notáveis, dada a beleza estonteante do pequeno vilarejo.
Lá ele conheceu os castanheiros, gente boa que o acolheu de braços abertos como se fosse filho do lugar que retornava à casa do pai.
Conversou muito com um caboclo de fala mansa, um verdadeiro sábio da floresta, o moço tudo ouvia sem perder uma só palavra da boca do ancião. Com ele o boto aprendeu o verdadeiro prazer da amizade, a respeitar e amar de peito aberto a floresta e a humanidade, a reconhecer o canto de cada passarinho... Já era quase noite, ele precisasva e ir embora... retornar ao Rio de Janeiro... já começava a sentir saudades de casa, do mar, do sol e das moças de corpo dourado... da música e da poesia... porém, tinha se afeiçoado ao Rio Iratapuru e àquele doce ancião.
Pediu licença ao sábio para dar uma caminhada pela floresta, queria memorizar cada palmo do lugar, açor da terra, o gosto das frutas silvestres, o som da floresta, o doce da água do rio...
Adentrou a mata, foi até a margem do rio quando avistou uma abelhinha que passava voando, ia buscar a água para complemento do vinho que estava a fazer.
Era uma abelhinha amarela de gestos serenos e meigos.
O boto, transformado em moço, não resistiu a tanta doçura e falou apaixonado:
- Se você fosse uma moça  eu te daria um beijo!
...A Cachoeira de Santo Antonio (Foto: SETUR-AP)
A abelhinha o fitou atônita, como que hipnotizada pela força de atração do moço nunca vista por ela. Ficou desconfiada, porém, estava tão atraída por ele e foi se transformando em moça, uma moça muito bonita. O moço a conduziu delicadamente para debaixo de uma imensa castanheira que ao se olhar debaixo para cima se perdia de vista de tamanha altura.
 A abelhinha nunca d'antes transformada em moça, estava zonza... O moço fitou-a nos olhos e a beijou suavemente.
Jandaíra fugiu assustada, mas o moço a alcançou e disse:
- Eu deixo você ir, mas terá que prometer que se casará comigo!
A abelhinha prometeu e foi-se embora. No caminho ela lembrou das lindas histórias de amor que lera em livros trazidos por turistas. Lembrou da história do piloto e seu amigo, o pequeno príncipe, que se apaixonara pela rosa, tinha algo parecido com sua história. O ancião sábio da floresta, o boto e ela Jandaíra. Sentiu medo. Queria ser amada. Estava apaixonada. Tinha medo de perde-lo.
Se encontraram à noite na casa do ancião. Na madrugada eles apreciaram a lua mais linda por trás das árvores altas e majestosas, cujo reflexo nas águas do Rio Iratapuru emanava a magia das paisagens. Estavam ali. O boto-moço e a abelhinha-moça, o rio, a floresta e alua...
No dia seguinte após passar a noite mais linda de suas vidas, o boto e a abelhinha despediram-se do ancião e partiram em sua aventura pelo Rio Amazonas
Situação no final de 2012. As águas foram desviadas por conta 
da construção de uma barragem. 
Dizem que o fluxo retornará em 2013 (VEJA AQUI).
Chegaram à Cachoeira de Santo Antonio, os dois ficaram extasiados diante de tanta de tanta beleza. As rochas adornadas de samambaias, o volume d´´agua, o turbilhar da cachoeira e o respingar d'água como vapor...
Ali, os dois fizeram um pacto de amor. Silencioso. As palavras não tinham valor. Somente os sentimentos contavam!
Jandaíra fabricou o seu melhor mel e o ofertou  a seu amado. Esse ficou maravilhado, pois nunca havia provado de tal manjar.
Capa do livro
Os dois continuaram se amando até que um dia o moço amanheceu tristonho. Jandaíra sentiu o coração paralisar, ela sabia que o moço sentia saudades de casa. Mas ela o amava demais para vê-lo sofrer! Lembrou-se novamente do pequeno príncipe e sua rosa... Ela já não era mais a mesma, havia amadurecido.Estava pronta para avida e com uma doçura calma disse ao moço:
- Não demores assim, que é exasperante. Tu decidistes partir. Vai-te embora!
O boto fitou-a parado sem compreender.
É claro que eu te amo, disse-lhe a abelhinha. Abraçou-o e murmurou aos seu ouvido:
- Eu te amo! Com os olhos marejados de lágrimas, saiu correndo pois, era muito orgulhosa e não queria que a visse chorar.
O boto mergulhou na água doce do Rio Amazonas e partiu para o Rio de Janeiro. E de lá sempre lembra do "mel de Jandaíra".


(Texto de Leacide Moura, em "Encantos, Encontros, Poemas e Contos" - Macapá-AP, JM Editora Gráfica, 2008)

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