Lembranças de casa (Histórias da Vó Nikita)
Amapá

Lembranças de casa (Histórias da Vó Nikita)


Era uma vez um paraense que constituiu uma família de cinco filhos: Sebastião (Guitão), Apolinário (Puluca), Cezarina, Nelson e Elísia (Lili), filhos de Maria Pena Castelo. O homem vivia em terras ribeirinhas, como seus irmãos Pedro e Judite, junto a amazônidas espalhados na região de um grande rio, o Jacaré Grande, vizinho do Rio Jacarezinho, vizinho do Rio Mututi, na região de Breves. 
Baía do Rio Jacaré Grande - Pará / Foto: Marcel Lima
Gira o mundo trazendo consigo suas portas do destino, diferente e abrangente a cada um de seus filhos. Ouvi falar que foram seringueiros e outros enveredaram pelo ramo do comércio, houve um renomado mestre-de-obras e outro seguiu os passos do pai como tabelião. Seja o que for, construindo uma história com o sobrenome daquele homem, o velho César Castelo
Arquipélago do Marajó - Foz do Amazonas (Foto: Wikipédia)
O tempo é mesmo uma ave de vôo rápido e, das histórias vividas no mundo retalhado pelas águas no arquipélago marajoara, três dos irmãos agora são moradores de uma jovem capital, Macapá. Lugar de sonhos renovados em oportunidades anunciadas desde 1943 com a criação territorial. Migraram para estas terras, como tantos outros, assumindo a identidade amapaense na década dos anos dourados. Os dados atuais mostram ainda essa realidade, grande parte da população amapaense é oriunda da região de ilhas paraenses.
Macapá, capital do jovem Território Federal do Amapá (Foto: AMAPATEC)
Ana e Apolinário (1969)
O homem teve outros filhos e destes, talvez com algum equívoco, sei citar os nomes da César, Ézio, Manduca e Zé Maria, havendo outros que não conheço e dos quais nada sei de histórias, a não ser de seu filho Apolinário, para sempre em minhas lembranças como o Puluca. Tal qual seu pai, também patriarca de muitos em uma família construída com a ribeirinha dos olhos claros, Ana Ferreira Castelo. Meus avós.

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 Casamento civil de Apolinário e Ana (casal no centro) em Macapá, 1960.
A consolidação de um relacionamento desde os interiores de Breves.
??O cidadão de costas, à direita, é o Miguel Nunes, conhecido na história do bairro do Trem como "Barrigudo", dono de um bar (o "Estrela Dalva") que nos anos 50 e 60 promovia batalhas de confete no carnaval (isso é relembrado sempre na história do carnaval amapaense). Meu avô trabalhou no local e o Barrigudo foi testemunha em seu casamento civil.
Os casamentos religiosos nos confins ribeirinhos se davam quando algum padre visitava as comunidades anualmente em um batelão. Assim foi o de meus avós quando moravam às margens do Rio Jacarezinho (Breves - Pará).
  
Vila de Riberinhos (Obra de JERIEL SOUZA / 2009)
Em Macapá se estabeleceram em busca de realizações e oportunidades aos filhos, como a escola, acesso aos serviços de saúde e emprego, morando no Bairro do Laguinho (anos 50) na época fiel ao nome com áreas alagadas, onde a malária acometeu vários moradores. 

Bairro do Laguinho na década de 1960 (Foto: Acervo Biblioteca SEMA)
Das agruras fizeram-se fortes até firmarem-se em uma parte da cidade que estava sendo loteada e distribuída pela prefeitura (ainda nos anos 50). 


De lá viam-se campos ermos (veja na parte superior à esquerda na foto de Macapá no início da postagem), com um córrego e lagos, onde os buritizais se estendiam a perder de vista. Diziam que logo seria um grande bairro, restando hoje daquela mata  apenas o nome do maior dos bairros de Macapá, o Buritizal. O córrego e lagos já não existem, foram comprimidos no atual Canal do Beirol.


Meus avós e outros que conseguiram lotes vislumbraram melhores condições com a construção anunciada de uma escola, hospital e uma grande garagem da prefeitura nas adjacências de onde foram morar. Era o Bairro do Trem, reduto final dos irmãos Apolinário e Nelson Castelo. Nessa época os limites do Trem não se estendiam muito além da Praça da Conceição e já existiam as Escolas Alexandre Vaz Tavares e Castelo Branco. O loteamento expandiu o bairro e, durante muitos anos, até os anos 80, um lago ainda existia no que é hoje o Canal do Beirol, com muita gente residindo nesta área de ressaca.

Aí estão o PS Osvaldo Cruz, a Escola Coaracy Nunes (no Bairro Central próximos ao Bairro do Trem) e a garagem da prefeitura na Hamilton Silva (Trem). Pontos descritos no texto que entusiasmaram novos moradores do Trem nos idos iniciais de sua urbanização. Fotos de 2013.

A geração de Ana e Apolinário Castelo

Ana (centro) e seus filhos, respectivamente: Augusto (Teco), os gêmeos César e Bené, Zé Maria (na janela), Antonio (bebê), Maria José (Dedeca) e Alzira. Foto de 1963, já estabelecidos no Bairro do Trem. 
Outros filhos foram Maria Helena (ao lado de Ana, 1958?, em foto rara e única da família, o sarampo a levou aos 8 anos em 1960, realidade de uma Macapá de outrora.), Marcelo (com Ana, em 1970?) e Valdiney Castelo (em 1981).

Assim cresceu esta cidade, com muitos paraenses buscando por melhores dias. Dois fatores decisivos contribuíram para o aumento migratório: a criação do território federal nas terras que antes pertenciam ao Pará e a instalação da ICOMI (Indústria e Comércio de Mineração). 
Macapá, como jovem capital, passou a receber investimentos e melhorias básicas em sua infra-estrutura: escola, hospitais, abertura de ruas, delineamento dos bairros, etc. Tudo muito propício à migração também. 
A população macapaense na década de 1960, de acordo com o Anuário Estatístico do Amapá, era de 36.214 habitantes, e a atual está próxima dos 400 mil habitantes (IBGE 2010). Como nos tempos de meus avós, continua uma intensa migração, mas as oportunidades já não são como há tempos atrás e a ocupação e desaparecimento das verdejantes áreas de ressaca foram consequências imediatas com o inchaço populacional (como os lagos citados sobre o Buritizal), sem falar em outros graves problemas sociais.
  
Apolinário, em pé, quando trabalhador em um estabelecimento em Macapá na década de 60. Segundo me consta, seria um hotel chamado Santo Antonio.
Puluca, meu avô, uma das mais carismáticas pessoas que conheci, deixou seu nome para ser honrado através de seus dez filhos, iniciando-se esta geração com a "graça e beleza" (esse é o significado do nome na etmologia e abençoada vivência) de Alzira Castelo, professora em todos estes fatos contados, junto com minha avó Ana
 A geração de Alzira Castelo
Alzira (Década de 60)
Mulher batalhadora e admirada pelos familiares e amigos, Alzira Castelo é a primogênita de meus avós. Nascida em 1948 nas terras ribeirinhas de Breves, especificamente em um lugar conhecido como Arrozal, é uma das colunas mais bonitas desta família, com uma história de belos exemplos e vitórias contra adversidades, desde quando menina ribeirinha nos interiores brevenses. Uma auxiliadora fundamental de Ana. Pode ser chamada de mulher virtuosa, eu a chamo de mãe.

No ano de 1951 o estudo geológico e conclusivo da ICOMI confirmou a existência de quantidade superior a 10 milhões de toneladas de minério na região de Serra do Navio. Diagnóstico necessário para o início da construção das instalações industriais (embarcadouro e ferrovia) em 1954. 
Os projetos de urbanização e construção das vilas residenciais (Serra do Navio e Vila Amazonas) começaram em 1955. As obras concluiram-se em prazo inferior ao estipulado (previsto para quatro anos) e em 1957 começou o embarque de minérios no Porto de Santana. Tudo isso ressoou como uma oportunidade de emprego e melhores condições de vida para muitos trabalhadores. A ICOMI e suas vilas apresentavam um padrão e qualidade de vida acima do que era comum na Amazônia (educação, saúde, lazer, moradia, segurança, etc), despertando sonhos e incentivando ainda mais a migração para o Amapá. 

Porto de Santana e o embarque de minério (Biblioteca IBGE), Ferrovia Santana-Serra do Navio (Livro Mineração no Brasil/Léo Christiano Editorial) e Vila de Serra do Navio (Livro Vila Serra do Navio/Benjamin Ribeiro).
Alzira Castelo construiu sua história nesse sonho, residindo em Serra do Navio entre os anos de 1970 a 1982, casada com Osvaldo Nascimento (1969). Na Vila Amazonas teve os filhos Inara e Rogério, e em Serra do Navio os filhos Rogerson e Imara. Outros tempos de uma cidadania respeitada. Se meu Amapá primasse sempre por isso...
Alzira (minha mãe) e os filhos Rogério, Rogerson (bebê) e Inara (1974).
Osvaldo (meu pai) e os filhos Inara, Rogerson (centro) e Rogério (1975)
Ana (centro), Alzira e seus filhos Rogerson (à esquerda), Rogério, Imara (menina) e Inara (1985).
Ah se pudesse conhecer mais histórias! Nosso univeso costuma girar só em torno dos mais próximos que temos... Há coisas para sempre perdidas, ou que são capazes de unir pontos desconhecidos, e talvez tão próximos, de irmãos que vem se espalhando a gerações: minha Família Castelo.



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