"A cultura brasileira é vasta e rica no campo das lendas. Devemos considerar que lenda não significa necessariamente uma mentira, e nem uma verdade absoluta. O que podemos e devemos deduzir é que uma história para ser criada, defendida e o mais importante, ter sobrevivido na memória das pessoas, deve ter no mínimo um pouco de fatos verídicos. Um fator desconhecido ao qual deu-se livres interpretações, todas procurando elucidar os fatos e criando assim um conhecimento aceitável pela grande massa...desejosa de entendimento."
No Amapá, como não poderia ser diferente, temos muitas lendas, repassadas por nossos avós, pais ou conhecidos. Histórias e estórias que traduzem um saber local e que caracterizaram nossa identidade cultura.
Quando converso com minha avó Ana (Nikita) e lembrando das histórias de meu saudoso avô Apolinário (Branco Velho), esses fatos tornam-se bastante evidentes.
Uma das histórias presentes em minhas lembranças é a seguinte...
Lá pelos idos de 1930, época sem eletricidade nas casas, nem escola para as crianças ribeirinhas, de muita peleja desde cedo e sobrevivência árdua numa terra de exuberâncias e mistérios naturais, às margens do rio Jacaré Grande, interior do Pará, viviam Alexandre, sua esposa Marieta e os filhos Nilzinho, Lóla, Ana, Mundinha, Raimundo e Lourival. Algo comum naquele mundaréu de selva, onde tantas famílias viviam de maneira muita parecida, a não ser pelos fatos que rotineiramente as cercavam e que se mitificaram nas descrições que hoje chegam a nós.
Aquele foi um dia difícil e de pânico para minha avó e seus irmãos, um dos dias em que meu bisavô levava a família para visitar seus parentes numa localidade próxima, distante várias remadas.
Como homem prudente que era, Alexandre escolheu o melhor ?casco? e minha bisavó Marieta cedo arrumou a garotada, diga-se de passagem, sempre animada em dias como esse.
Todos na ?montaria? e remos para que te quero!
Logo, logo, um evento nunca visto por eles começou a se desenrolar.
Primeiro foi um boto.....boiou ali perto e desapareceu. Depois foram dois, com manobras espetaculares como a se exibir....três, quatro, todos se aproximando e seguindo a canoa.
Eram botos vermelhos (também chamados de malhados, hoje boto rosa) e, segundo minha avó, esses animais eram temidos pelos caboclos, talvez pelo tamanho, mas sobretudo pelo desconhecimento. Minha avó dizia que dos botos tucuxis não tinham medo, eles até espantavam os vermelhos dali. Mas destes últimos... Ah! Era um medo de sair da água na hora que apareciam.
Enfim, um frenesi instalou-se ao redor da canoa, quase não dava para remar, eram a essa altura vários e pulavam muito rente. Exibiam a cauda, pulavam dois, três juntos e tão próximos que balançavam o casco. Para minha avó, ver aquelas cabeçonas vermelhas de perto no meio do rio era algo apavorante. Oras, vemos um quadro de dificuldades àquela família, com a criançada eufórica e meu bisavô tentando afastá-los dali. Ficou pior quando começaram a passar por baixo da canoa e bater no fundo dela, balançando ainda mais até quase virar. Imagine aquelas silhuetas todas aparecendo e sumindo por todos os lados que nem uns fantasmas. A família segurava as bordas para a canoa não virar e os botos continuavam pulando e batendo. Isso durou alguns minutos até que Alexandre, detentor do conhecimento para a situação, com seu facão fez uma cruz imaginária na água e, com algumas palavras de oração, espetou este no meio da canoa. Não sei o porquê disso, mas o fato resultante é que na hora os botos mergulharam e boiaram bem longe, se afastando definitivamente.
Esse foi o fato narrado por minha vozinha e, cá com meus botões em pleno século XXI (não sou nenhum biólogo) também não sei a razão disso tudo, mas sei que de histórias como esta é que foram construídas as lendas que chegam até nós. Oras, não dá para imaginar que os botos queriam virar a canoa e levá-los encantados para o fundo do rio? Digo apenas que a história é esta e a continuidade disso está na sua imaginação!!!!
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