"O Guerreiro Tucujus" / "O Vento dos Açaizais" (Carlos Cantuária)
Amapá

"O Guerreiro Tucujus" / "O Vento dos Açaizais" (Carlos Cantuária)


"A literatura é a expressão da sociedade, 
assim como a palavra é a expressão do homem."
(Louis Bonald)  
Onde estará Gregor Samsa? Ah! Lá está o fulano, na sua capa da invisibilidade.
Esta imagem é do "II Seminário Construindo o Programa de Literatura do Amapá" (março/2012) onde literatos trataram dos rumos da produção literária amapaense. Uma sugestão dada, que acredito ser de grande importância e chamou-me a atenção, foi o resgate de obras antigas publicadas nesse estado, que hoje estão no limbo do esquecimento. Segundo tratado, estas obras teriam (terão?) assistência do governo para serem divulgadas nas escolas e secretarias. Não sei o quanto disso se concretizará. Há sempre ardor nos discursos diante de públicos... Eu, que nada tenho com isso ou aquilo, fiquei muito curioso em conhecer estas obras. Nesse feriadão aproveitei para ler duas das antigas e resolvi postar aqui as modestas impressões.
Preciso dizer também que não sou partidário de ninguém, sou um leitor interessado em conhecer o que por aqui construíram em nossa literatura amapaense.
Os livros que dei uma espiada foram: "O Guerreiro Tucujus: Espírito do Passado" e "O Vento dos Açaizais" (romances) ambos de Carlos A. Sampaio Cantuária (que lembrei posteriormente ser também um político aqui).

"O Guerreiro Tucujus: Espírito do Passado" é um romance regional, publicado em 1989, ambientado no Amapá dos idos coloniais. Conta-nos a história de Laureano e Pérola, casal vindo das ilhas do Pará para firmar moradia nestas bandas. Aqui vão conhecendo a terra, costumes, lendas e a natureza. Destaque também para Antonio Tucujus, amigo do casal, que faz um papel de anfitrião  apresentando os saberes locais, como o batuque, quilombo, natureza e a lenda da negra montada no jacaré. A história não é linear e nem de trama aprofundada. Tal qual um romance naturalista, a terra com suas peculiaridades é o centro de tudo. Às vezes o autor foca o cenário natural, mais adiante a fuga de um escravo para o quilombo e até uma batalha no Arraial de Santana, sempre com ênfase aos defensores da terra. Relevantes também são os poemas intercalados entre as narrativas - suspiros poéticos do indígena, do escravo, etc. A obra encerra com um suposto rapto de um dos filhos do casal por aquela figura lendária mencionada. Nas entrelinhas percebermos, acima de tudo, uma homenagem aos formadores desta terra: o índio, o negro e os migrantes (caboclos vindos das ilhas paraenses). Personagens com seu valor, suas dificuldades e suas crenças nessas terras outrora habitadas pela extinta e valente nação indígena Tucujus.

Veja alguns fragmentos do livro, para ilustrar o que mencionei anteriormente:

"Águas barrentas, um infinito horizonte esverdeado. Os passageiros da pequena embarcação manifestavam uma imensa alegria depois de vários dias navegando pelo caudaloso e magestoso rio de águas escuras e barrentas. O Amazonas, que esconde milhares de segredos jamais descobertos e mistificados pelas lendas centenárias"

"O Tucujus falava ao casal, dos encantos da Vila como fosse seu construtor, contando detalhes importantíssimos do povoamento."

"Canto. Meu grito de dor.
Sou a imagem de um povo sofrido.
Lágrimas de meu passado,
Sonhos sem futuro.
Nação próspera e feliz.
Vi - vi meu povo ser dizimado.
Estampidos, lâminas, gritos... escravidão.
Morte - morte que vi.
Hoje sozinho, agarrado no meu passado,
Canto meu grito de dor."
"- Não me denuncie, fugi dos maus tratos de meu senhor, fui perseguido pelos soldados da Intendência e ferido por um tiro em meu ombro esquerdo. Estou me sentindo fraco, sinto minhas forças fugirem, mas preciso alcançar os Jacarés, minha esposa e meu filho esperam."

"Gemendo me encontro.
Relembro o meu passado.
Dores no corpo de meu trabalho escravo.
Canto saudades de minha juventude não vivida.
Sinto um peso que carrego.
É o meu próprio corpo.
Cansado, disforme e velho.
Nesta minha velhice desamparada.
As lamúrias suplicantes de meu ser manifestam-se.
Pois sou negro escravo,
Única coisa que sei e questiono,
Onde andará meu Deus."
"A batalha trazia pequena vantagem aos invasores... Os bravos índios de suas canoas chegavam ferozmente pelo rio, tomando as caravelas invasoras ao comando do Cacique Taxaúna e do Português Reis de Melo."
"Correndo para o local onde os cães permaneciam latindo, viu os rastos do imenso jacaré e as pegadas da Negra Lana..."
O livro tem ilustrações de André Cantuária, é de linguagem e textos simplificados e apresenta um total de 117 páginas (o formato é pequeno e pode ser lido em poucos minutos). 

"O Vento dos Açaizais" é mais uma obra de valorização regionalista, publicada em 1991 (com 77 páginas). A narrativa foca o enterro de um ribeirinho do rio Flexal. Basicamente, mostra a estória de um grupo de amigos e compadres ribeirinhos no funeral de um dos seus. Mas estamos falando da Amazônia, de suas peculiaridades, por isso o cenário mostra boto, o rio, suas particularidades e até o encontro com um grande sucuriju (descrito com o entusiasmo e exageros  comuns do amazônida). Poderia se apresentar como um grande causo. O malfadado defunto se vê envolvido em confusões cômicas, com direito a despencar no assoalho da casa, ser transportado por canoa no cortejo fúnebre e chegar a uma situação de pensarem que estivesse vivo. Seria cômico se essa Amazônia, o centro das atenções nestes dois romances, não fosse o principal agente de tudo, levando o defunto para moradia final no fundo do rio, através de uma grande pororoca. É a terra o elemento mais importante, determinando e influenciando o rumo de tudo... seja natural, seja humano. O ribeirinho, com todas as suas peculiaridades, é mais um elemento neste cenário natural. Se o pobre defunto estava à mercê de seus camaradas para seu destino final, todos ali estavam à mercê de uma força maior - a Amazônia - que dá o desfecho, deixando todos no meio de uma pororoca e nas consequências de um grande alagamento. Afinal, quem conduz quem?

Destaque para um garoto, a descrição de um perfeito moleque enjoado, em determinado momento da estória. Iguais a este têm um monte... sem ser na literatura. Julgue comigo se não tenho razão. Olha aí o pentelho em ação:

Um moleque querendo ver o morto se expremia entre os presentes, empurrando um e outro para chegar ao caixão.
- Dá termo moleque! Vê onde pegas, não te ensinaram bons modos?
O moleque não deu ouvido e logo chegou ao caixão e pôs-se a olhar curiosamente o defunto.
- Fummmmmm... Tá fedendo! Falou alto o moleque.
- Te aquieta, moleque danado!
O moleque continuou a observar. De repente outro grito chocalhado e um movimento na braguilha do morto; o moleque observava o movimento e aponta na direção da braguilha do defunto, que volta a mexer-se, entoando novo grito.
- A calça está se mexendo! Diz o moleque já assustado.
- Eu vi também!
- Olha lá! ...continua se mexendo!
Um empurra-empurra, era caboclo rebolando um por cima do outro que acabaram derrubando o defunto, que caiu fora do caixão de peito para cima.
- Ó minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, olhai para este homem!
O defunto exala um cheiro desagradável pelo ambiente, fazendo muita gente sentir náuseas, mas não se afastavam. O mal cheiro e o movimento da braguilha indicava que algo de anormal estava acontecendo. O morto foi rodeado, o moleque novamente com sua curiosidade ajoelha-se para observar. A caboclada estica o pescoço para olhar com bastante atenção. Um coachar característico e um movimento...
- Tá se mexendo! ... Tá se mexendo! O saco do homem tá se mexendo! Grita apontando o moleque.
As pessoas que estavam na frente eram empurradas prá cima do defunto pelas pessoas detrás, que queriam observar melhor; ao mesmo tempo as da frente forcejavam para não cair em cima do defunto.
- Vejam! Tá saindo algo da braguilha do homem!
- O que será aquilo?
- Não! ... Não pode ser!
- Mas ele já está fedendo!
Novamente o moleque grita:
- É um sapo! É um sapo!
Toda a caboclada cai na gargalhada deixando extravasar no riso o medo; até Dona Matilde não se conteve e riu à vontade.
- Eu não acredito! Justifica o velho Sabá rindo com Pedro.
O sapo salta prá cima das pessoas que empurram umas às outras, deixando o sapo sair da casa. A reza parou depois do susto, pois os ventos ameaçadores continuavam a descobrir casas e derrubá-las.
O caixão era recolocado sobre a mesa e o defunto novamente acomodado. Desta vez sendo recoberto por um lençol de renda.
(Trecho do capítulo "Curiosidade", do romance ""O Vento dos Açaizais" - Carlos Cantuária)
Umas palavras sobre o autor: 

Carlos Alberto Sampaio Cantuária e mazaganense, estreou como escritor publicando o livro PRÁTICA DOS MOVIMENTOS POPULARES, SUAS LUTAS DIREITOS E DEVERES (1987), está entre os romancistas pioneiros na Literatura Amapaense e recebeu da crítica o reconhecimento e notoriedade de escritor com o romance O GUERREIRO TUCUJUS: ESPÍRITO DO PASSADO (1989).

TAÍ MEU MANO!!! 
Duas sugestões sobre a Literatura no Amapá. São obras de fácil compreensão, muito adequadas às escolas e jovens leitores, com teor bem interessante e que podem ser lidas, cada uma delas, de uma tacada só em uma boa baladeira!!!



VALORIZE, PRESTIGIE E CONHEÇA A LITERATURA AMAPAENSE. 
CASO INTERESSE, ESTAS DUAS OBRAS ESTÃO NO ACERVO DA
 BIBLIOTECA SESC-CENTRO 
E ESTÃO À DISPOSIÇÃO PARA SUA CONSULTA.
UUUhh cabucu!!! Vamu ispiar e dicubrir utras cuisa!!! Falúúú´!!!



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